sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Sobre amar pessoalmente em tempos de whatsapp


Eu lia, abrigada do sol pela pequena área em que o teto do ponto de ônibus protegia. Mantinha minha mochila virada para frente e as mãos que seguravam o romance também apoiada nela; levantava os olhos de vez em vez para checar se minha condução se aproximava. Mesmo parcialmente seduzida pela história que lia não pude deixar de observar o casal adolescente que se movia ao meu lado. Pensei novamente no que havia prometido a mim mesma de não observar tanto as pessoas mas não resisti, a garota parecia bastante relaxada enquanto o garoto insistia para que pudesse carregar sua bolsa e demonstrava uma necessidade absurda de estar em contato com ela.

Durante uns cinco minutos ele a abraçou algumas vezes enquanto ela se contentava em deixar-se envolver, de vez em quando se soltando dele com alguma delicadeza. Em determinado momento, enquanto o vilão da minha história planejava sua próxima "vilãzisse" a conversa deles passou de trabalhos escolares para mensagens do dia anterior, e, enquanto ela explicava a qual desenho havia se referido em certo momento da conversa ele olhava para ela com cara de quem não prestava atenção em nada, de vez em quando abrindo a boca como se fosse falar algo e desistindo logo em seguida, ela nada percebeu.

Depois de um momento de silêncio dela, ele respirou fundo e disse de uma vez só "eu te amo", a garota consertou a postura e pegou a bolsa das mãos dele, pude ver o garoto ficar vermelho e com cara de enjoo durante cerca de um minuto em que ela ficou calada. Imaginei que ela sairia correndo e o tal garoto ficaria desconsolado como quando a gente toma o brinquedo favorito das mãos de uma criança. Passado o minuto a garota apenas voltou-se para ele e perguntou "como você fez isso?", o garoto respondeu com a voz fraca que sentia isso há um tempo e que só havia criado coragem de dizer pois ela já havia dito que gostava dele uma vez. Tentei mais uma vez não ver o que se seguiu mas era impossível dada a curta distância que nos separava. Passei os olhos pelas frases do livro tentando em vão me concentrar nas falas do "malvado" e fugir daquela situação, como aqueles momentos em que você coloca a almofada à frente do rosto para não ver determinada cena do filme ou aquelas páginas do livro que você deseja "pular" para saber como aquela situação vai acabar.

O que se seguiu foi estranho, ambos pareciam constrangidos com a presença um do outro e trocaram monossílabos com os colegas de classe que se aproximaram depois. Não percebendo o clima que os cercavam os colegas faziam brincadeiras sobre a "Marina dele" ser "bravinha" e sobre o dia de amanhã. Meu ônibus chegou e eles entraram também, sentaram em cadeiras mais a frente e apesar de um do lado do outro não trocaram olhares durante boa parte do percurso. Em certo momento ele colocou, timidamente, os braços no ombro dela e pareceu tenso; após um tempo ela encostou a cabeça nele e pude perceber sua postura relaxar junto com a dele. O clima entre eles mudou totalmente e alguns pontos depois ambos desceram juntos e antes do ônibus arrastar pude vê-la dar um beijo nele.

Durante o resto do caminho não pude deixar de pesar os acontecidos do dia: teria um seminário para a semana seguinte, o vilão do livro havia "quebrado a cara", eu tinha presenciado o primeiro "eu te amo" de um casal adolescente e a Marina retribuíra o carinho do garoto: é, tudo enfim ficaria bem!



Texto escrito para o Crônica sem Eira.

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2 comentários:

  1. Meldels que tensão, Marina por que fazissoooo? Eu já tava chorando com o garoto, que que é isso gente! ahah
    Casais adolescentes são diferentes e tão verdadeiros e tão desajeitados e preocupados, mas a gente bem sabe como eles são, como é, a gente entende o significado do momento mais que eles talvez, né?
    Juro que suspirei de alivio no final, aposto que o menino e Marina tão dando risadinhas até agora, ahahah
    Que momento gostoso :)

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    Respostas
    1. Oi, Nanda!
      Confesso que também suspirei de alívio, viu?
      Ainda mais pela declaração ter sido pessoalmente e não por mensagem de texto, como ultimamente vemos tanto por aí.
      Talvez ambos não tenham percebido na hora mas com certeza lá na frente irão gostar de ter vivido esse momento desse jeito.
      Muito fofo, não é?

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