segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Experiência de uma crônica inteira


Sempre imaginei que levaria a vida para passar para uma criança, dia após dia, um único princípio que fosse; firmando seu caráter não só através de lições verbais como também de atitudes. Me imaginava daqui a alguns anos contando para os meus filhos sobre as vantagens de ser honesto e sobre o bem que nos faz ajudar o outro independente de quais sejam as nossas condições; imaginava eu e o Eduardo sentados no sofá da sala explicando para ele, enfim, todo o discurso que ele ouvira durante tanto tempo até então. Coisas como "Então é isso, filho. Compreende a importância de ajudar ao próximo?" ou "Consegue perceber os motivos de estarmos te explicando isso?" e assim com todos os outros valores que tanto prezamos aqui em casa.

Minha primeira lição, no entanto, aconteceu de maneira diferente. Enquanto andava em direção à minha casa observei dois jovens que estavam sentados em frente ao portão, pareciam descansar do que parecia ter sido uma cansativa caminhada. Enquanto os observava notei que o mais novo pegava pedrinhas do chão enquanto o mais velho contrariado lhe falava algo e, para o meu espanto, pude notar que o menino recolhia as pedras para jogar em um gato que se encolhia mais a frente se esquivando por vezes das pedrinhas que o menino jogava. Antes que eu chegasse à me aproximar o garoto pegou uma pedra quase do tamanho de sua mão e jogou contra o gato, o mesmo escapuliu por pouco e parecia obviamente estressado. Nesse meio tempo alcancei a entrada e perguntei calmamente o que ele estava fazendo, seu irmão parecendo antever a "bronca" se desculpou imediatamente dizendo que seu irmão "era assim mesmo" e que ele já havia cansado de o repreender. Notei que o garoto menor não entendia o motivo de eu ter parado para questioná-lo por uma situação tão "simples". Enquanto seu irmão tratava de se desculpar pelas atitudes do menino lhe esclareci que não iria brigar com eles mas gostaria de conversar.

Parei um momento ainda em frente à casa e lhe disse o quanto a sua atitude poderia machucar o gatinho, e, levando em conta o tamanho da pedra que jogara até mesmo alejá-lo. Pela primeira vez vi que  olhou para o gato de uma forma diferente e enquanto ele observava lhe expliquei que assim como ele sente dor quando alguém lhe dá uma bolada ou quando ele cai o gato também sentiria dor com aquela pedrada e que não era por ser de rua que ele não merecia quem olhasse por ele. Falei sobre os riscos que cães e gatos de rua passam todos os dias sem ao menos se darem conta e, principalmente sobre a mudança que um simples gesto de carinho a eles poderia provocar.

Parecendo só então entender o que o gato passava o garoto se aproximou devagar e timidamente fez um carinho, enquanto, ainda desconfiado, o gato recebia carinho o garoto mais velho se aproximou e repetiu o gesto do mais novo e enquanto aquele momento acontecia pude contemplar tudo com os olhos de participante tão estranhamente adotados por mim. Naquele momento enquanto ambos acariciavam o gato e se maravilhavam com o simples prazer de ver o bichano se esticar de gosto eles partilharam uma cumplicidade, que desconfiei, há muito tinha sido pertida. Continuei observando por mais um tempo dando a mim mesma a chance de desfrutar de um momento tão importante. Ao me afastar ainda pude ver os dois brincarem um com o outro enquanto o mais novo tomava o papel de porta-voz pela pimeira vez pronunciando um, ainda tímido, "obrigado, tia!".


Esse texto foi escrito para o Crônica sem Eira.

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2 comentários:

  1. É muito estranho eu ter me emocionado ? Sendo qual for a resposta eu adorei a crônica, fiquei me imaginado vendo o menino fazendo isso enquanto eu teria uma briga interna em intervir ou não. Reparo que hoje em dia é mais difícil tentar contato com estranhos, por vezes eles acabam sendo ríspidos, rudes ou ignoram. Como hoje, quando eu vinha para o serviço de metrô e uma jovem pediu licença a uma senhora para que a deixasse passar e a senhora respondeu com tanta grosseria que a moça se espantou e foi uma simples "a senhora vai descer aqui? Me dê licença por favor". Ou quando ontem eu descia tarde da noite as escadas da faculdade apressadamente pois meu ônibus já estava para partir e eu pedi licença várias vezes e escutei um "quer passar por cima". Acho que a forma como o menino foi receptivo a novos ensinamentos e a uma nova visão do mundo me tocou, e em como ele agradeceu a lição.

    Enfim ficou lindo!
    beijos

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    Respostas
    1. Se é estranho eu não sei mas espero que não.
      Também sempre fico receosa diante dessas situações e fico em dúvida se falo ou não, mas nesses casos de violência prefiro sempre intervir.
      O mundo está cada vez mais complicado mesmo, as pessoas andam tão apressadas e esquecem de olhar para o próximo, de vez em quando um simples "obrigado" muda o dia do outro e o faz se sentir visível.

      A maioria das crianças nem precisam de broncas mas de uma boa conversa, explicar os motivos de algumas atitudes serem corretas e outras não; a maioria deles fazem coisas erradas por não entender os motivos de não poderem agir de tal forma, como o menino que jogava pedras no gato sem refletir que ele também sentia dor. Quando ele desenvolveu empatia tudo passou a fazer mais sentido do que se eu simplesmente falasse "não faça isso" sem explicar o motivo.


      Fico feliz que tenha gostado,
      Beijão!

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